~ Capítulo um ~
“A indesejada das gentes”
Não sei se devo contar como vim parar no inferno ─ não o inferno de que tanto ouvimos falar quando crianças, quando fazíamos algo de errado e éramos constantemente ameaçados por nossas progenitoras (ou no meu caso, pela minha madrasta) de sermos mandados para lá caso fizéssemos algo que contrariasse a vontade de Deus. Hoje, porém, me pergunto se ela não estaria certa. Talvez as coisas fossem diferentes ─, pois, posso comprometer muito mais que a minha cabeça, aliás, muitas outras cabeças.
Quando digo inferno, por mais estúpido que possa parecer ─ e na verdade é ─, quero dizer minha própria mente. Muito me admira eu ter alguma sanidade para ficar diante desse tantos papéis amarelados para narrar meus infortúnios usando uma caneta esferográfica azul que ameaça acabar antes dessa história. Mais admirado ainda estou com o fato de ela não ter-me encontrado ainda. Antes que eu continue a falar de minhas desgraças, quero apresentar a detentora de todas elas. Minha arqui-inimiga é, ninguém mais ninguém menos que a infame... morte.
Todos um dia a encontrarão. Todos. “É a única certeza que temos em vida”, já dizia mamãe. O que eu não consigo compreender depois de tantos anos de luta é, por que eu não pude encontrá-la de maneira normal? Por que eu não simplesmente morri como todos os outros?
É de certa forma incomum isto. Enquanto alguns clamam por vida e longos anos dela, eu peço todos os dias a quem quiser atender primeiro meus pedidos para morrer. Veja só. Não posso nem morrer porque a própria morte não deixa. Quero morrer, mas, não há alternativa senão passar pela morte. O que é impossível, pois, a morte vem impedindo minha ida há muitos anos.
Não pense você que está passando seu tempo lendo esta história inquietante que eu já não tentei morrer pelas minhas próprias mãos. Já fiz de tudo. Não vem ao caso os métodos, entretanto, posso dizer que todos falharam porque a morte em pessoa sempre aparecia para impedir. Não canso de repetir as cenas na minha cabeça: a morte me impedindo de morrer. A que nível de loucura eu cheguei?
E por falar em loucura, é inevitável que, depois de tantos acontecimentos estranhos, um homem naturalmente perca sua sanidade. Eu ainda tenho uma centelha dela, como já disse anteriormente. Não vai durar muito, mas, espero ser suficiente para que eu conclua esta narrativa. Uma vez terminada, pode acontecer qualquer coisa comigo. Não ligo. O importante é que tudo o que vi, ouvi e senti seja contato aqui nos mínimos detalhes, pois, se um dia você precisar de armas contra a “indesejada das gentes”, poderá lançar mão dessas páginas para pelo menos enganá-la, como eu tenho feito por anos. Agora, vou contar-lhe como tudo começou.
No ano de 1992, eu nasci no hospital Santa Inês, em Bráz e Silva. Isso mesmo, nome da minha cidade natal é tão estúpido quanto ela mesma conseguia ser. Talvez não seja tão estúpido assim. Todos os outros moradores tinham orgulho de viver lá e do nome da cidade. Talvez fosse só eu mesmo que repudiava seu nome... vá entender. Os bráz - silvenses todos não passavam de pessoas cegas pela perspectiva de um mundo melhor. Não me excluo desse grupo desafortunado, afinal, sou um bráz – silvense também e um dia sonhei com um futuro melhor, ou pelo menos com algum futuro. Não era uma cidade tão diferente de qualquer outra cidade de interior que você já tenha visto. Casinhas simples, uma praça com uma igreja ao centro, a prefeitura, poucos os armazéns. De longe parecia ser um lugar como qualquer outro, e de fato era. O que tornou Braz e Silva um lugar digno de figurar no mapa foi o dia do meu nascimento. Não porque eu fosse filho de alguém importante, digno de receber um feriado com o meu nome, mas porque, nesse dia, algo incomum até para os parâmetros que definem coisas estranhas. Meu parto foi feito pela morte.
Minha mãe ─ que Deus a tenha ─, gritava muito de dor. Lembro-me como se fosse ontem ─ não ache estranho eu narrar como foi o meu parto, eu o vi realmente e em outro momento explicarei como consegui essa façanha ─, eu não queria sair, por mais que ela me empurrasse com sua vida. A cama sobre a qual estava jazia encharcada de sangue. O suor da face lavava seu rosto por inteiro e, enquanto ela mantinha sua boca aberta constantemente para gritar, algumas gotas salgadas de suor adentravam-na.
Passaram-se alguns minutos e as parteiras não conseguiam obter resultados. Também pudera. PARTEIRAS em um hospital. Evidentemente que eu só chamo aquele Santa Inês de hospital por consideração. Enfim, retomando: quando as senhoras esforçadas tentavam me retirar à força do útero de minha mãe, eis que apareceu uma pessoa de aparência andrógina vestindo roupas casuais de jovem. Não se podia afirmar o sexo. Ora tinha rosto de homem e corpo de mulher, ora o contrário. Não eram mudanças extraordinárias, era algo que se notava ao ver aquela criatura de ângulos diferentes. Sua voz era grave com umas notas agudas ao fundo. Era algo impossível de distinguir. Chegou ao quarto do hospital dizendo:
─ Não deixem esta criança morrer. O cordão umbilical está ao redor do pescoço do garoto e ele corre sério risco de vida. Façam o possível para que ele viva, senão vocês virão comigo...
─ Quem é você rapaz... ou moça... ─ a parteira não conseguia diferenciar ─, quem deixou você entrar aqui?
─ Eu posso ajudar a fazer esse parto. Queiram por favor, se afastar. ─ ordenou a pessoa.
─ Você não vai encostar um dedo nessa mulher! Você é por acaso enfermeiro? Se for, porque está nesses trajes? Vá colocar seu uniforme agora! ─ ordenou a outra parteira.
A criatura desconhecida se aproximou da parteira que falara por último apertou-lhe o pescoço. A mulher se debatia como um porco ao tentar se salvar do abate. Seus olhos esbugalharam e ficaram inteiramente salpicados de veias estufadas. Em alguns minutos, morrera.
─ ALGUÉM CHAME A POLÍCIA! SOCORRO! POLÍCIA! ─ gritava a parteira sobrevivente, sem sair do lugar. Ficara em um estado constrangedor de histeria, em seguida, caiu desmaiada. Ninguém apareceu para ver o que acontecera.
Enquanto a criatura andrógina impedia meu nascimento, minha mãe tinha delírios de dor. A criança em seu útero lhe causava tanta dor que mesmo ela pediu para morrer, desde que eu ficasse a salvo.
─ Não. Não quero que você morra meu bem... quero seu rebento morto... ─ disse a pessoa.
Mesmo estando a poucos instantes de enlouquecer de dor, minha mãe ainda teve um momento de sanidade para perceber que aquela criatura, fosse quem fosse, lia mentes. Aquilo lhe causou um calafrio na espinha que foi capaz de cessar qualquer dor que estivesse sentindo. Parara de repente de gritar.
─ O que... o que aconteceu? Por que não está doendo mais? Por que meu filho não nasce? ─
Perguntou minha mãe completamente desnorteada.
─ Está em paz, querida. Agora que ele está morto...
─ Não! Não pode ser! Meu filhinho! Você não sabe de nada! ─ gritava minha mãe tentando se levantar para agredir aquela pessoa indefinível.
─ Se não acredita, provarei a você que o que digo é verdade...
Dito isso, a jovem criatura foi ao encontro de minha mãe e se posicionou como uma parteira teria feito. Encarando a genitália ensanguentada de minha mãe, enfiou o braço o mais fundo que conseguiu e sob constantes gritos de dor e de agonia puxou-me de dentro do útero segurando-me pela perna, de cabeça para baixo. Eu estava da cor de uma berinjela. Inerte. Sem vida. A força foi tanta ao me puxar que a placenta viera junto comigo e pendia presa ao cordão umbilical.
─ Agora acredita, meu anjo? Veja sua cria. Já não tem salvação. Não há nada que você ou qualquer pessoa aqui possa fazer.
Minha mãe não teve resposta e nem reação. É o que se espera de uma pessoa morta. Meu parto foi algo tão invasivo, que seus órgãos internos foram dilacerados pela mão daquele ─ ou daquela ─ que fizera meu parto. A mulher não passava de um corpo toscamente largado sobre uma cama besuntada de sangue.
Ainda morto, eu fui carinhosamente envolvido num pano encardido que aquela pessoa pegou do chão ao acaso. Embalava-me como se quisesse me fazer dormir. Ao meu lado, um amontoado das carnes de meu cordão umbilical e da placenta encostados contra o peito da criatura.
─ Durma bem, criança. Sonhe com os anjos. Brinque com eles... vá em paz...
Num sobressaltado sopro de vida, comecei a tossir uma tosse fina de recém-nascido. Fui gradativamente ficando rosado, deixando para trás meu tom berinjela. Chorava copiosamente como se tivessem me batido com muita força para acordar. Sem entender o que estava acontecendo, a pessoa perguntou:
─ O que está acontecendo? Por que você está vivo? Eu não dei permissão para que você vivesse! Seu pequeno capricho acabou de impedir que mais de cem mil vidas viessem parar em minhas mãos! Você tem idéia do que acabou de fazer?
Como eu gostaria de ter respondido naquele momento. Se eu pudesse, teria saltado do colo daquele estranho e pularia de cabeça no chão a fim de amassar minha moleira e nunca ter passado pelo que passei. Mas eu era apenas um recém-nascido. Minha única resposta foi um choro. Um choro que arruinou toda aminha vida.
─ Você vai me pagar criança. Vai me pagar caro por isto com sangue e sofrimento. A menos que você me pague com as cem mil vidas roubou. Como pena, você vai viver até me pagar todas as vidas que me deve. Só morrerá quando eu quiser morra. Só dará o último suspiro quando eu permitir, já que fez tanto gosto por viver.
Que culpa eu tinha? Diga-me. Por que, de todas as pessoas que existem, logo eu tinha que passar por tudo isso? É um direito do ser humano morrer. Sei que antes de tudo é viver, mas, depois do que eu narrar, até você vai desejar que eu tenha morrido antes.
A estranha criatura agarrou uma de minhas pernas e me carregou pelo hospital como se eu fosse um animal prestes a ser sacrificado. Eu apenas chorava e chorava. Hoje sei por que ninguém no hospital veio ver o que acontecia no quarto onde eu nasci: toda e qualquer pessoa que ousou estar ali, jazia morta. Por alguma razão, estavam rijos, pálidos, porém, suas faces sorriam. Era algo muito bizarro, não queira ver isso nunca. Muito sangue no chão. Alguns até foram separados de suas cabeças. Os corredores brancos foram totalmente redecorados com sangue. Pergunto-me até hoje como que tantas pessoas morreram tão horrível e tão silenciosamente. Aliás, a pergunta é autoexplicativa. Hoje entendo bem como aquilo aconteceu. Conhecendo a morte do jeito que eu conheço, não duvido de seu talento para levar seus escolhidos de forma quase imperceptível.
Ao sair do hospital eu e a criatura demos de cara com um dia nublado ─ sinceramente, acho-os fascinantes. Prefiro os diferentes tons de cinza dos dias nublados ao único tom de azul dos dias ensolarados. Não me culpe por ser mórbido. Mais para frente, você entenderá minhas razões ─, frio e úmido. Logo à frente, várias pessoas se aglomeravam atrás dos poucos policiais armados porcamente de Bráz e Silva. Os que não eram da polícia, seguravam tochas e pedaços de pau, crentes de que poderia fazer algo a respeito ─ quando digo que os bráz - silvenses são estúpidos, não é em vão. Que diabos eles achavam que iriam fazer com tochas aquela hora? Incendiar o hospital? Meu algoz talvez? Enfim, fosse o que fosse, eles se arrependeram amargamente depois de se interporem no caminho daquela estranha criatura ─, um dos policiais que estava um pouco mais à frente ordenou gritando:
─ Entregue essa criança e ponha as mãos na cabeça imediatamente!
─ Saiam do meu caminho... ─ ordenou a criatura.
─ Você me ouviu? Eu disse para entregar a criança! ─ disse novamente o policial.
─ Este garoto já está entregue... a mim. Ouçam, dele mesmo.
A criatura me ergueu com apenas uma mão pela minha cabeça. Meu cordão umbilical ainda pendia preso ao meu corpo. Parei de chorar imediatamente para travar minha face delicada tomada de sangue em uma expressão morta. Mexia apenas a pequena boca para dizer:
─ Saiam da frente se não quiserem ter o mesmo fim que eu. Por favor. ─ a voz saiu como que um sussurro gritado. Não lhe culpo se não conseguir imaginar. Eu ainda não consigo entender o que foi aquilo.
Algumas mulheres que estavam junto ao extenso grupo de pessoas desmaiaram imediatamente. Era uma cena muito horripilante. A pessoa que me segurava pela cabeça em si já era de dar arrepios.
─ Vocês ouviram o garoto.
─ CORRAM! É O DEMÔNIO!
─ UMA ASSOMBRAÇÃO!
─ UM FANTASMA!
─ Se enganam todos. Eu, meus caros, sou a morte...
Tentei fazer segredo até agora sobre quem era a criatura andrógina que causara todo esse tormento, mas, estava muito óbvio. Infelizmente, a pequena Bráz e Silva recebeu a indesejável visita dela pessoalmente. Mesmo aqueles que chegam à hora de sua morte não a veem. O que me obriga a perguntar mais uma vez: por que logo Bráz e Silva? Tantas cidades enormes, de renome, com inúmeros e luxuosos pontos turísticos para aquela desgraçada visitar e fazer balbúrdia, mas, ela preferiu logo lá. Por quê?
Desculpe se o decepcionei ao informar a aparência da indesejável, mas, se você a imaginou de encapuzada e com uma foice na mão... bom... meus pêsames. Antes fosse assim. Pelo menos eu não veria aquele rosto tenebroso.
A morte caminhou lentamente pela cidade enquanto tudo ao seu redor acontecia em câmera lenta ─ este é o segredo dela para nunca perder seu alvo. Por mais rápido que você corra para se salvar, ela sempre estará pelo menos dez passos à frente para pegá-lo. Se for sua hora, não adianta lutar ─, até as folhas cadentes daquele outono gélido caíam tão lentamente que eu poderia envelhecer na espera de vê-las tocar o chão. Um dos policiais que estava mais próximo tinha a face contraída de pavor intenso. A morte se aproximou do seu rosto e, como uma mãe dando carinho ao seu filho, beijou-lhe ternamente a face. Os olhos do homem imediatamente perderam o foco, seu corpo empalideceu por inteiro. Destoante de todos os outros fugitivos, ele caiu rápida e ruidosamente de cara no chão, quebrando uns dois dentes. Estava morto.
Um a um, a inesperada foi beijando cada face que via pelo caminho. Após seu beijo frio, eram como se as pessoas voltassem à “velocidade normal” e caíssem toscamente ao chão rapidamente.
Passaram-se alguns minutos de caminhada. A morte continuava me carregando pela cabeça, deixando pelo caminho marcas de sangue da minha placenta e do meu cordão umbilical. Ela me colocou novamente no colo, deu num nó cego em meu cordão umbilical e mordeu depois do nó para cortar. Jogou minha placenta ao chão como se fosse um saco de lixo. Para a minha surpresa e da morte, a placenta começou a se mexer. O pedaço de cordão umbilical que restou aderido à placenta ergueu-se e oscilava como uma cauda de gato. Aquelas carnes ensaguentadas ao chão tornaram-se um amável labrador de pelo claro ─ como? Não me pergunte. Não faço a menor ideia. A morte me disse que tinha uma explicação, mas, nunca a deu. Não insisto mais ─, hoje o chamo de Plácido. Um divertido trocadilho me veio à mente tendo em vista o fato de ele ter-se originado de uma placenta. Não é um nome muito comum para um cachorro e nem condiz com seu temperamento, uma vez que Plácido quer dizer “calmo”. Ele pode ser qualquer coisa, menos calmo, mas, é o melhor cachorro que alguém poderia ter.
Em poucos minutos, toda Bráz e Silva jazia no silêncio daqueles cadáveres inertes. Mesmo quem não foi beijado pela morte havia morrido. A cidade virou um enorme túmulo. Alguns urubus já sobrevoavam o local para se servirem daquele grandioso banquete. Pergunto-me até hoje se eles já sabiam que tanta gente iria morrer naquele dia.
Ao sul da minha cidade, depois do bosque, havia um precipício que chamávamos de “escorregador” ─ eu disse. Os bráz – silvenses são idiotas ─, pois, algumas pessoas desavisadas caíram dele e morreram sem nem saber o porquê. As árvores e arbustos do bosque permeavam até o limite do precipício, de modo que, ao caminhar por entre a vegetação, você poderia andar calmamente até o fim que, mesmo à beira do precipício, ainda parecia ter mais o que andar depois. Alguém alguma vez colocou uma placa avisando? Não. Alguém alguma vez pensou em colocar uma cerca em volta? Não. Por isso eu acho que tinham mais é que morrer mesmo. Tolice tem um limite.
Ainda no colo da indesejada das gentes, eu havia parado de chorar. Apesar de seu corpo gélido, eu me sentia acolhido por aqueles braços rançosos. Ela entrou no bosque e, por onde passava, as plantas perdiam imediatamente seu verde. Ficavam escuras e apodrecidas como se estivessem mortas há anos. Árvores de grande porte caíam a partir da raiz. Até as pobres formigas que ousaram estar em seu caminho tornaram-se apenas poeira sob os pés malditos da morte.
Chegando ao fim do bosque, as árvores que findavam o caminho caíram no vão sem fim do escorregador, dando espaço para que se visse a imensidão. Quem nunca veio a Bráz e Silva jamais diria que existia vista tão linda numa cidade esquecida pelo tempo. O horizonte parecia ser uma aquarela majestosamente pintada. O céu deixava reconhecer onde terminava o tom de azul da manhã e começavam as tonalidades acinzentadas que velavam a presença da morte. Ela carinhosamente me ergueu à altura dos olhos e, encarando-me, disse com sua voz dúbia:
─ A partir de hoje, você tem um trabalho a fazer. Você cuidará de conseguir noventa mil vidas para mim. Dez mil já levei hoje, então, receba isto como um bônus. Você tem até seus luminosos vinte e um anos para conseguir cumprir a tarefa que lhe dei, senão, nunca morrerá. Não pense que isto é algo positivo. Mesmo com a pior das pestes, mesmo no pior dos acidentes, você resistirá com vida. Pedirá para morrer todos os dias da sua vida e não lhe darei esta regalia. Irá perdurar os séculos. Definhar até parecer um amontoado de carne podre, mas, não permitirei que morra. Entendeu bem?
Como eu queria ter respondido naquela hora. Teria tentado insultá-la. Talvez assim ela se sentisse tão ultrajada que me tiraria a vida só por dizer-lhe um par de palavras desrespeitosas, mas, como na vida nada é justo ─ ainda mais na minha ─ eu era apenas um recém nascido inocente. Não falaria nada nem que me apontassem uma arma.
Com todo cuidado que lhe era possível ter, a morte se equilibrou na beira do escorregador e com um movimento seco, jogou-me no vão interminável. A queda não foi nada agradável ─ tendo em vista que eu acabara de nascer e estava nu ─, o vento frio castigava-me os ouvidos. Recomecei a chorar. Caía vertiginosamente e estava quase para me chocar contra as pedras afiadas do chão.
Cheguei ao chão enfim. Diferentemente do que você possa ter esperado, eu não me espatifei. Não explodi em pequenas carnes por entre as pedras afiadas. Acordei suado e ofegante em meu quarto no distrito de Oster. Ri nervosamente de tudo o que vira. Foi só um sonho. Tudo aquilo só poderia ser um sonho...
Sonho? Antes fosse. Era uma horrível lembrança em minha castigada memória.
domingo, 10 de abril de 2011
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